30 de janeiro de 2012

Quem topa ficar sem celular?



Por que os possíveis riscos à saúde não sensibilizam ninguém
CRISTIANE SEGATTO
  Reprodução
CRISTIANE SEGATTO 
Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 15 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo. Para falar com ela, o e-mail de contato écristianes@edglobo.com.br
Não é preciso ir muito longe para perceber as transformações profundas que os celulares provocaram na nossa vida. Na quarta-feira passada eu só precisei ir até o metrô. O pedreiro que sentou ao meu lado no vagão da linha Norte-Sul tirou do bolso um LG magrinho, dos mais populares que existem. Era tudo o que ele precisava para tocar em frente seu escritório ambulante:
— Bom dia, Dona Maria Helena. Vamos precisar de 18 sacos. Se a sra. comprar hoje, posso começar o serviço amanhã e continuar no final de semana.
Quando o trem arrancou em direção ao túnel, imaginei que ele ficaria falando sozinho. Ainda não me acostumei com o fato de que as ligações não caem mais quando entramos no elevador ou o metrô deixa as estações. O celular do meu vizinho continuou firme, forte e operante.
— E o mosaico, Dona Maria Helena? A sra. me perguntou se eu faço...Faço sim, mas leva tempo. Se a sra quiser, posso indicar um colega que faz isso muito bem.
Combinado o serviço, o pedreiro terminou a conversa, checou mensagens e colocou o celular de volta no bolso. Depois respirou fundo, com uma altivez de quem é dono do próprio nariz.
Em grande parte, essa sensação só é possível porque o celular garantiu a ele o controle sobre o próprio tempo e a própria agenda. Com os clientes ao alcance dos dedos e com a possibilidade de ser encontrado em qualquer lugar, esse e tantos outros trabalhadores organizam as tarefas ao longo do dia, ganham mais dinheiro e vivem melhor.
Fiquei imaginando o que deveria ser a vida dele antes do celular. Um possível cliente tinha que deixar recado com algum vizinho que, com sorte, só passaria a mensagem no final do dia ou na manhã seguinte. Quando o recado chegasse à casa do pedreiro, ele já estaria do outro lado da cidade. Metido numa obra que o deixava incomunicável. Isso acabou.
Sempre me emociono com o caráter criativo e batalhador do povo brasileiro. Mesmo quem nasceu nas piores condições e estudou pouco se apodera das soluções tecnológicas quando enxergam nelas uma possibilidade de melhorar de vida.
Os benefícios do celular são tão expressivos que é difícil imaginar que alguém seja capaz de abrir mão dele – mesmo que as pesquisas tragam evidências inequívocas de que a radiação eletromagnética emitida pelos aparelhos aumentem o risco de câncer.
Essa preocupação é tão antiga quanto os primeiros aparelhos. Desde o início dos anos 90 a divulgação de estudos sobre o possível risco dos celulares obriga os jornalistas a fazer um esforço nem sempre bem-sucedido. O de tentar entender se o nível das evidências justifica o alarde e de que forma é possível traduzir a informação para a população sem incorrer em dois erros comuns: provocar pânico ou minimizar os riscos.
Recentemente, o braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) encarregado de elaborar a lista de substâncias cancerígenas classificaram a radiação emitida pelos celulares na categoria 2B, o terceiro na escala de agentes possivelmente cancerígenos. Essa categoria é usada quando é encontrada uma associação com o câncer em estudos populacionais, mas ainda não foi descartada a chance de uma ligação acidental. Nesse mesmo grupo está, por exemplo, o café.
A maioria dos especialistas diz que ainda é muito difícil estabelecer uma relação entre o uso do celular e o câncer. Mas é possível que o avanço das pesquisas permita concluir que os aparelhos são realmente perigosos. Alguns pesquisadores estão tão convencidos dos danos que orientam os pais a tirar o celular das mãos das crianças. É o caso da epidemiologista Devra Davis, entrevistada pelo meu colega Peter Moon.
Caso os danos dos celulares sejam comprovados será possível convencer a população a abandoná-lo ou a usá-lo com comedimento? Só se a OMS empreender um esforço sobrehumano. Por uma simples razão: a vida antes do celular era muito pior. E, convenhamos, ninguém quer viver pior.
A luta contra o tabagismo é um exemplo interessante. Não há nenhuma dúvida de que ele causa câncer, além de uma lista interminável de outras mazelas. Se uma pessoa quiser fazer uma única coisa na vida para reduzir o risco de ter câncer, o melhor a fazer é ficar longe do cigarro. Isso é inquestionável. Nas últimas décadas, um esforço internacional maciço contra o tabagismo foi capaz de reduzir o número de fumantes. Ainda assim, a luta não está ganha.
Quem fuma atribui ao cigarro algum prazer, mas reconhece todos os outros inconvenientes: cheiro impregnado nas roupas, tosse seca, dentes amarelados...Só para ficar nos probleminhas mais leves. Ainda assim, fuma por anos a fio mesmo sabendo que ele é a principal causa evitável de câncer.
Com o celular, a luta (caso um dia seja necessária) será muito mais difícil. Ninguém enxerga nele um inconveniente sequer. É verdade que muitos dos fumantes não continuam gastando dinheiro com cigarro por opção. Fazem isso porque se tornaram dependentes químicos – algo que nada tem a ver com liberdade de escolha ou força de vontade para abandonar o vício.
De certa forma, porém, o celular também pode ser viciante. Quem nunca viu pessoas que parecem ter criado total dependência psicológica? Sentem-se nuas se saem de casa sem celular.Falam compulsivamente.Só por meio deles se sentem conectadas a outras pessoas etc.
Conheço uma empregada doméstica que tem oito (!!!) números de celular. De todas as empresas: TIM, Vivo, Claro etc. Cada hora usa um, de acordo com as promoções mais convenientes. Fala com a mãe que mora em Salvador todos os dias sobre os assuntos mais banais. De certa forma, é como se a mãe estivesse tomando um cafezinho na mesma cozinha em que a moça lava a louça. O celular permitiu a reconquista dos laços rompidos precocemente pela busca da sobrevivência.
Quando não é a mãe que está do outro lado da linha são outras empregadas e faxineiras espalhadas pelos apartamentos gelados do outuno paulistano. Uma arranja emprego para a outra, combina um churrascão na laje, disputa um namorado... O celular acabou com a solidão. Quem vai convencê-las a desligar os aparelhos?
Sem chance. Mas as domésticas têm algo a nos ensinar sobre o estilo de usar celular. Muitas delas só usam o aparelho com fones de ouvido. Só assim podem fazer o serviço da casa sem parar de falar. Enquanto esfregam o vidro do box, passam roupa ou capricham na comida, engordam os lucros das empresas de telefonia.
Usar fones de ouvido (e preferir mensagens de texto) é o melhor que podemos fazer hoje para nos proteger dos eventuais danos. A exemplo do que aconteceu com as sacolas de pano para usar no supermercado, não duvido que em pouco tempo os fones de ouvido se tornem fashion. Não seria legal se aparecessem uns cordões criativos, diferentes do modelo básico tão batido, e virassem moda rapidinho? Atenção estilistas descolados da nova geração, mãos à obra!!!
Não sou viciada em celular. Pelo contrário. Ainda acho que o monstrinho que me encontra em qualquer lugar é bem invasivo. Mas não consigo mais imaginar como seriam nossas relações profissionais e sociais sem ele. Pela perspectiva atual, a vida dos sem-telefone era bem estranha.
Nos anos 70, um telefone fixo instalado num lugar de honra na sala era um privilégio. Mesmo para as famílias de classe média. Nasci e cresci sem telefone. A nossa primeira linha foi conquistada quando eu já tinha mais de 20 anos. Conquistada é a palavra certa. Acordei de madrugada para entrar na fila gigantesca dos interessados em comprar um telefone num daqueles planos de expansão da antiga Telesp.
Ter telefone em casa significava poder falar com a minha avó que morava em Minas sem precisar ir ao posto telefônico da Lapa. Fiz isso a infância inteira. Uma vez por semana. Sempre aos domingos porque a ligação era mais barata. Confesso que me divertia.
Ficava torcendo para a atendente nos indicar a cabine vizinha a dos paraguaios. Aos berros, eles tentavam trocar nacos de informação e carinho com os parentes do outro lado da linha. Adorava ouvir aquela língua diferente de quem falava com Asunción como se ela fosse a capital de Marte. Frequentar aquele posto da Telesp era uma experiência antropológica.
Antes de voltar para casa, paravamos numa doceria da Rua Doze de Outubro para comer as melhores coxinhas de galinha da redondeza. Vinham espetadas num palito envolto em papel alumínio colorido. Escolhia o verde ou o rosa, mas o sabor nunca mudava. Era deliciosamente previsível. Depois era caminhar sob o sol e esperar, com alegria, a ligação da semana seguinte. Telefonar era um programão de domingo.
(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras.)
E você? Como usa o celular? Topa ficar sem ele? Acredita nos riscos à saúde? Como se protege? Como era a sua vida antes do celular? Conte pra gente. Queremos ouvir a sua opinião. 


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